Desde sempre ouço dizer que mudanças são necessárias. O ser humano por si só é mutável, já dizia Heráclito: não se banha duas vezes num mesmo rio. Há um ano, me mudei para Portugal e conheci uma gama de novas possibilidades – de mundo e internas.
Quando escolhi a terrinha lusitana, ingenuamente, pensei que ia me sentir em casa. Pensei mesmo, vim segura de que aqui seria o melhor lugar para construir uma nova vida, fazer novos amigos, reescrever meu futuro numa folha de papel em branco, mas papel conhecido, afinal, o que poderia ser tão diferente num país onde se fala a mesma língua? Pois é, ledo engano.
Acho que quem olha de fora, digo, meus amigos brasileiros, família ou qualquer pessoa que olhe para o meu intercâmbio não tem a mínima noção das dificuldades que passamos quando estamos há quilómetros do nosso mundo já conhecido. Nas muitas vezes em que fui desabafar os meus percalços ouvi que estava no melhor dos mundos, gastando em euros e que não fazia sentido eu estar tão pouco feliz tendo a oportunidade que eu estou tendo.
É bem verdade que estou tendo uma oportunidade maravilhosa, estou estudando o que eu gosto na Europa e estou livre de alguns problemas típicos e assustadores do Brasil como a violência e a péssima saúde pública, quebrei o pé aqui e nunca foi tão fácil ser atendida sem pagar nada por isso, mas passei a me questionar sobre o que me fazia me sentir acolhida de fato, o que me faria de fato feliz nessa empreitada.
A primeira barreira que tive que ultrapassar – pasme, querido leitor – foi a língua. Achamos, inocentemente, que o português europeu e o português brasileiro são irmãos… piada! Somos primos, de segundo grau provavelmente. Passei um bom tempo para começar a me acostumar com a rapidez com que os portugueses falavam e até aprender que NUNCA se deve falar que vai fazer um bico ou chamar alguém de moço, que os fiscais de bilhetes nos transportes públicos se chamam “pica” e que talvez você trombe com alguma pessoa que vai te falar que você não fala português e sim brasileiro. Depois veio a diferença climática e não só nos 5 graus que faziam no meio de novembro enquanto eu tentava dormir com 3 meias, 2 casacos, calça e meia calça, mas a diferença interpessoal: ora, o continente europeu fica ao norte, eles passam bem mais tempo no frio do que no calor, isso, culturalmente, esbarra no modo como eles lidam com as pessoas. E não, não estou fazendo bullying com os tugas (como carinhosamente chamamos os portugueses), eu fiz grandes amizades e sou muito grata a todos os que passaram por mim nesse ano e principalmente aos que ficaram, mas passei alguns meses sem abraçar ninguém e isso é bem bizarro. Há, de maneira incontestável, uma diferença absurda na maneira como as pessoas se relacionam e é difícil pra quem morou a vida toda no país tropical de Jorge Ben.
Pra além de tudo isso, há a solidão. Não a solidão do isolamento, mas uma solidão peculiar. Eu vim sem amigos, sem família, éramos eu e duas malas com livros, roupas e sei lá, esperança de uma vida melhor. Foram bens materiais e emocionais o que eu trouxe, não achei que ia ter que lidar tanto comigo mesma como tenho que lidar aqui. Agradeço por isso, mas dói. Costumo conversar com meus amigos zucas (como carinhosamente os portugueses nos chamam, às vezes nem tão carinhosamente) e todos eles sentem a mesma coisa, é um tipo de solidão individual e não importa o quanto estejamos juntos nos apoiando, tentando manter nossas tradições brasileiras ou encontrar qualquer conforto enquanto o céu desaba no Porto veronil, o fato é que estamos todos experenciando nossas próprias solidões, nossas próprias dificuldades, alcançando – ou não – nossos próprios objetivos e porra… isso é MUITO difícil!
Mudar é necessário, repito, é precioso. Acho que entendemos muito mais sobre nós mesmos e minha experiência de crescimento pessoal está sendo incrível tanto no que tange às responsabilidades que tive que aprender a ter quanto essa coisa de saber conviver comigo mesma por tanto tempo. Até o tempo é diferente aqui (enquanto escrevo, pouco perto das 21 horas, ainda é sol em Portugal), quase nenhum prédio tem elevador, os azulejos brilham com o reflexo da luz, o Rio Douro é a coisa mais linda do universo quando se atravessa a ponte D. Luís que liga o Porto a Gaia, não se encontra shampoo e pasta de dente Colgate em farmácia (só em supermercado), a tapioca é o olho da cara, aqui se usa nata ao invés de creme de leite, nunca vi uma cidade com tantas ladeiras, não tem shoppings de cinco andares, a maconha é descriminalizada, velhinhos tem mais preparo físico que jovens de 20 anos, ouço música pela rua quase todos os dias, me apaixonei mesmo pelo fado e agora conjugo a segunda pessoa do singular com mais facilidade, além ter substituído o “talvez” por “se calhar” e responder qualquer afirmação com “pois” ou “ya”. Eu amo Portugal, afinal já foi um ano, mas a saudade de casa ainda me atropela como um trem desgovernado.
Apesar disso tudo e desse sentimento de pertença a outro lugar que não aqui, se calhar minha casa nem seja mais o Rio de Janeiro, se calhar seja essa a verdadeira viagem, o verdadeiro intercâmbio, se calhar a casa para qual eu tanto anseio voltar seja justamente de onde nunca saí: o eterno retorno para mim mesma. “Wherever you go, there you are” e há de ter alguma beleza nisso. Sigamos!
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